Deixa eu começar com a palavra "Design", cuja origem está relacionada à produção de um signo, derivado do latim segno. No latim medieval a palavra designare significava designar, diagramar, achar meios, alinhando-se com a ação de projetar. Desenhar então é uma forma de projetar e designar algum uso a alguma coisa.
Em suma: Design é criação com intenção.
Tudo que nos rodeia foi designado por alguém, (seja ele designer, engenheiro, arquiteto ou artista) nossas roupas, casas, eletrodomésticos/eletrônicos, até a comida que comemos...
Em outras palavras, design é a maneira que criamos produtos, serviços e sistemas, assim como seus mecanismos com os quais moldamos o mundo material ao nosso redor para suprir nossas necessidades e desejos.
Por consequência, quando algo é desenhado, importantes decisões são tomadas que impactam:
1. A sua forma de produção e manufatura.
2. A forma que aquilo será usado e consumido.
3. O que acontece quando aquilo não é mais necessário ou desejado.
Uma vez que estas decisões foram tomadas, ainda na fase de conceituação, é extremamente difícil voltar atrás e desfazer os efeitos que estas decisões terão caso elas causem efeitos indesejados ao fim de vida 'daquilo'.
Podemos então concluir que o Design é pai de um dos maiores problemas que enfrentamos atualmente? Sim, mas ele também é a solução!
Veja bem, quando você anda pelas prateleiras do supermercado você é metralhado por design, milhares de embalagens coloridas acenando e implorando para serem compradas e depois descartadas na lixeira. Quando você anda pelo shopping ou navega pelas lojas online não é diferente, com a diferença que produtos como roupas ou eletrônicos têm uma vida mais longa. Os ciclos da moda, assim como a obsolescência programada vão garantir que você compre mais e descarte mais, isso é parte do design. Um design que não tomou a importante decisão de projetar o que vai acontecer no fim de vida daquele produto, tendo como base um modelo linear e como efeito um grande problema que (espero) todos já conhecem.
Mas não existe um único meio de desenhar algo que não gere resíduo e poluição em alguma parte do processo de produção de um bem de consumo, isso simplesmente não existe. As grandes empresas querem que reciclemos, vendem este paliativo como a solução para o problema, mas de nada adianta um bandaid em uma hemorragia. O país que mais recicla segundo o relatório mais recente é a Alemanha, com impressionantes 56.1%, isso é só um pouco mais da metade, o que acontece com a outra metade? É descartado e queimado, mas o valor deste material "jogado fora" chega a 1 trilhão por ano.
É aí que entra o Design Circular e a Economia Circular. É necessário, antes de reciclar, reduzir e reutilizar - repensar os modelos de negócio, redesenhar nossos produtos e regenerar o que foi destruído, e o design é a chave para tal. É preciso mudar de um modelo linear para o circular.
Analise o diagrama abaixo:
Vemos acima dois ciclos, o orgânico (ou renovável) e o material (finito). O ciclo orgânico sempre foi circular e está por todos os lado, ele representa a vida o os processos naturais que encontramos na Terra há milênios. Este processo é estável e se renova de maneira rápida e natural, todo o resíduo é combustível para outro ciclo. Na natureza não há descarte nem sobra.
Do outro lado, nós humanos científicos e tecnológicos criamos ciclos totalmente novos, usando os materiais finitos, que levaram milênios e infinitos ciclos de vida para chegar a forma de metais e petróleo. Nós extraímos, manufaturamos e os transformamos em nosso produtos. A Economia Circular propõe que estes materiais sejam infinitamente consertados, reutilizados, redistribuídos, re-manufaturados e só depois reciclados.
Como conseguir isso? Pois projetando e desenhando produtos que possam ser facilmente desmontados e consertados. Criando novos modelos de negócio baseados em serviços e não bens de consumo...o exemplo mais clichê é o da furadeira...você não precisa da ferramenta, você precisa de um furo na parede, quando você compra uma furadeira nova certamente 98% do tempo de vida dela ela vai ficar guardada na caixa pegando poeira. Então porque não criar um serviço de aluguel/empréstimo de ferramentas domésticas, ou eletrodomésticos? Você pode estar achando que isso é só um modelo idealizado e longe de acontecer, mas existem diversas grandes empresas repensando seus modelos como a Coca-Cola Patagonia, Renault, Danone, inclusive aqui no Brasil como a Natura e ArcelorMittal. Veja os infinitos casos mapeados pela Ellen McArthur Foundation.
Mas eu falei lá em cima que é impossível criar produtos sem gerar resíduo e poluição e mesmo desenhando um produto que se encaixa neste ciclo, alguns materiais contêm materiais químicos perigosos para o meio ambiente. Por isso o design na sua fase de projeto é cada vez mais importante, pois é nesta fase que a escolha de materiais e processos de produção é feita. É possível sim ofertar produtos que sejam saudáveis para o planeta e seus habitantes e existem diversos selos que certificam um bom produto, como: Cradle to Cradle, ISCC, GSES e o Sistema B.
Eu já consigo ver toda esta mudança acontecendo lentamente, a Economia Circular é a próxima grande coisa e o design é a principal e mais poderosa ferramenta de mudança que temos, não me sobram dúvidas. A estratégia é achar soluções que entregue o máximo de valor, demandando o mínimo de materiais possível, transformando produtos físicos em virtuais - o Netflix e Spotify são exemplos desta abordagem. Vejo cada vez mais soluções pipocando mundo a fora, cada vez mais pessoas e governos discutindo e botando esta grande roda para girar.
Ainda há um longo caminho pela frente, mas o futuro me parece muito brilhante e interessante, como designer me sinto como um surfista remando para a melhor onda da vida. Mais do que isso, me sinto na obrigação de contribuir para o momento mais importante da história da humanidade, usando o design como força motriz que me move e inspira a regenerar.
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